Senado aprova PL do abuso de autoridade e restringe foro

Senado aprova PL do abuso de autoridade e restringe foro

Com os olhos e ouvidos voltados para o Supremo Tribunal Federal (STF) e para os desdobramentos da Operação Lava Jato, os senadores aprovaram nesta quarta-feira (26/4) dois projetos que vão de encontro aos seus próprios interesses. Em pouco mais de duas horas de discussão, aprovaram o projeto de lei que tipifica os crimes de abuso de autoridade e, em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição que acaba com o foro privilegiado para mais de 37 mil autoridades públicas.

Nos corredores do Congresso, no entanto, a aparente conscientização já é vista como cena para foto. O PLS 85/17, da Lei de Abuso de Autoridade, ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário da Câmara dos Deputados para só então ser sancionado – isso se não for alterado pelos deputados, o que exigirá uma nova deliberação da Casa Revisora antes da sanção.

Já a PEC 10/13, do fim do foro, tem um trâmite ainda mais demorado. Ainda precisa passar por um segundo turno no Senado antes de seguir para a Câmara, onde também passará pela CCJ, por uma comissão especial, e por duas votações no plenário, com aprovação de ao menos dois terços dos deputados. E, para ser promulgada, não pode haver qualquer alteração no texto, senão retorna para o Senado para a estaca zero, de volta à CCJ.

Dia longo

O dia atípico começou bem cedo. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), confirmou que as negociações para votar as propostas na CCJ e no mesmo dia no plenário foram feitas durante a madrugada, na residência oficial do Senado, e contaram com a participação de representantes dos principais partidos da Casa.

Quando a CCJ iniciou a reunião para votação do relatório do senador Roberto Requião (PMDB-PR), logo após as 10h, o cenário já estava montado. Após idas e vindas, o relator acabou cedendo às pressões e ao que constantemente vem chamando de “jogral de apupos liderado pelo Ministério Público”. Capitulou em relação ao artigo 1º, que pelo seu texto criminalizava a hermenêutica, ou seja, poderia punir o juiz por interpretar a lei de maneira não literal, e ao artigo 3º, retirando a possibilidade de descendentes do ofendido entrarem com ação contra a autoridade que tiver cometido abuso. O prazo também foi reduzido de 12 meses para 6 meses.

“O que estamos acabando é com uma visão corporativa de instituições que se consideram melhores que as outras. Não podemos ter instituições que interpretem as próprias as leis”, brandiu Requião ao defender a aprovação do relatório. Com o acordo fechado na comissão, a aprovação unânime do parecer já era esperada.

Logo em seguida, os senadores aprovaram também o relatório do senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) sobre a PEC 10/13. Randolfe aquiesceu em um ponto, permitindo que os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF mantivessem o foro privilegiado mesmo no caso de cometimento de crimes comuns. Em casos de crime de responsabilidade, ministros de Estado, comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, membros dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente também continuam com foro privilegiado.

No plenário, as discussões foram feitas a toque de caixa. Senadores eram pressionados por Eunício Oliveira a encurtarem seus discursos enquanto o líder do PMDB e autor de outro projeto mais heterodoxo em relação ao abuso de autoridade, Renan Calheiros (AL), conclamava seus pares a votar. “Quando Montesquieu pensou o sistema de pesos e contrapesos foi porque ele se convenceu de que o homem tende a abusar da autoridade. Por isso, é muito importante a presença de todos aqui, no plenário”, disse Renan.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi um dos mais enfáticos a criticar o texto, mesmo após o acordo fechado na CCJ, ao afirmar que o projeto tipifica crimes que só poderiam ser cometidos por autoridades do Judiciário ou do Ministério Público. 

“O que eu acho mais incrível é que, embora se diga que a prática é contra todos os agentes públicos, na hora de ver as penalidades, as únicas penas são para o Ministério Público, os policiais e os juízes. Não tem uma pena para nós parlamentares se nós votarmos proposições legislativas que afetem a inconstitucionalidade. Não tem uma pena para nós parlamentares se concedermos vista de proposição legislativa para procrastinar o processo legislativo, como acontece aqui tão comumente. Isto é abuso de autoridade: barrar um projeto”, disse.

O texto estabelece uma lei de alcance amplo, valendo para servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; integrantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; do Ministério Público e dos Tribunais e Conselhos de Contas. De acordo com o texto, cerca de trinta condutas poderão ser consideradas abuso de autoridade. Entre elas, práticas como decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação ao juízo; fotografar ou filmar preso sem seu consentimento ou com o intuito de expô-lo a vexame; colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão e pedir vista de processo para atrasar o julgamento.

O projeto de abuso de autoridade foi aprovado por 54 votos a favor e 19 contra. Já a PEC que acaba com o foro recebeu aprovação unanime dos 75 senadores presentes.

“O dia de hoje registrou duas grandes vitórias para a sociedade. A aprovação do projeto de lei de abuso de autoridade com a alteração do artigo 1º e eliminação do artigo 3º, que criminalizava a atividade interpretativa do MP e da magistratura e permitia ação privada criminal das vítimas, e também a aprovação em primeiro turno do fim do foro especial. O senador Renan Calheiros discursou triunfalmente sobre quão histórico é o dia de hoje, em cima de vitórias da sociedade às quais se opunha. Dia interessante de testemunhar, de surto de probidade no Congresso Nacional”, comemorou o promotor de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

O texto do abuso de autoridade segue direto para a Câmara. O do fim do foro privilegiado ainda precisa esperar a realização de três sessões para encarar o segundo turno. Nesse meio tempo há a possibilidade de serem apresentadas novas emendas, que podem alterar o conteúdo do texto.

Gustavo Gantois – Brasília

Fonte: JOTA/jota.info/politica/senado-aprova-pl-do-abuso-de-autoridade-e-fim-do-foro-26042017

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