Como ficam as crianças?

Como ficam as crianças?

Pouca gente parece duvidar da importância e dos benefícios da presença da mãe na criação, constituição e desenvolvimento das crianças. Seja pela sabedoria popular, seja por dezenas de pesquisas científicas, é mais do que claro que crianças que crescem acompanhadas pelos pais, principalmente pelas mães, têm maiores e melhores chances de se tornarem cidadãos melhores. Uma pesquisa divulgada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Washington revelou que uma importante área do cérebro cresce duas vezes mais rápido em crianças acompanhadas por mães zelosas. Um outro estudo, publicado pela psicóloga Karina Santos Santana, fala sobre como a privação do vínculo afetivo materno pode contribuir para que adolescentes cometam atos infracionais.

No ano passado, o Congresso Nacional instituiu uma lei que entende que é mais importante que crianças menores de 12 anos contem com a presença, os cuidados e o afeto da mãe, mesmo que ela seja acusada de um crime, do que ver esta mãe encarcerada de forma preventiva. O benefício vale apenas até que ela seja julgada. A mãe não seria absolvida nem seus supostos crimes deixariam de ser investigados. Em caso de condenação, seria encaminhada para o cárcere para cumprir a pena. O objetivo da lei é claro: proteger as crianças e a sociedade. Crianças melhores podem construir uma sociedade melhor. O benefício à mãe é um efeito colateral necessário, não o objetivo principal.

Essa lei coloca o país ao lado de nações que já entendem esse benefício como um fator importante na criação de jovens cidadãos. Na Austrália e na Itália, por exemplo, as mães podem cumprir toda a pena em prisão domiciliar, convivendo com os filhos. A Colômbia tem, desde 2002, lei similar à implantada no Brasil. E a União Europeia tem uma resolução que recomenda o benefício.

Até há poucas semanas, apenas pessoas familiarizadas com o universo jurídico tinham conhecimento do assunto. A aplicação da Lei nº 13.257/2016, também conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, em favor da mulher do ex-Governador do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo fez com que o tema viesse à tona e, junto com ele, que surgisse uma multidão de “especialistas” no assunto. Gente com sede de vingança apressada em condenar a lei com o intuito de punir a ex-primeira-dama. Adriana deve ser criticada e punida se forem comprovadas as acusações que pesam contra ela. Mas não por recorrer a uma lei respeitando todos os trâmites. Muito menos a lei deve ser condenada.

Muitos disseram que Adriana Ancelmo só teve acesso ao benefício porque é uma privilegiada. Em parte a crítica procede. Apenas privilegiados têm acesso pleno ao direito de defesa no Brasil. E é isso que precisa ser mudado, não leis que podem beneficiar uma imensa parte da população.

É preciso que a Defensoria Pública se fortaleça e tenha condições de atender a todos que necessitam, com agilidade e competência. Hoje há poucos recursos, financeiros e humanos. Os poucos defensores públicos não dão conta de atender propriamente a todos que precisam.

Um ponto que pode ser melhorado sem a injeção de um único centavo é a postura e a atitude de alguns magistrados. Uma reportagem da Rede Globo mostrou o caso de Rafaela, uma paraense de 26 anos presa por tentativa de assalto, mãe de três filhos menores de 12 anos, sendo que um é autista. A Defensoria Pública e o Ministério Público locais pediram que o benefício do Marco Legal da Primeira Infância fosse aplicado ao caso. A juíza Luisa Padoan, de Belém, decidiu que não iria nem sequer analisar a situação e devolveu o processo à Vara de Execuções Penais. Depois da repercussão da reportagem, a Associação dos Magistrados do Pará emitiu nota afirmando que o processo foi devolvido porque não havia comprovação de que um dos filhos sofria de autismo. Não deveria ser necessário, mas vale lembrar que a lei não é apenas para crianças que sofrem com o autismo, mas para menores de 12 anos.

Na tentativa de amenizar o problema são bem vindas iniciativas da sociedade civil como o mutirão organizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) que visa a não só a reduzir o gravíssimo problema do encarceramento feminino em massa (que cresceu 570% nos últimos 15 anos), mas também a conscientizar os atores do sistema de justiça criminal sobre a importância da aplicação da lei como medida de política pública de amparo à criança e a seu núcleo familiar. A solução para o problema, no entanto, é complexa. Passa por mudanças profundas, algumas caras, do sistema judicial. Outras não tão custosas do ponto de vista financeiro, mas de implantação difícil, como a mudança de uma visão ainda preconceituosa da sociedade e das autoridades públicas. De qualquer forma, é preciso proteger as leis, dar mais visibilidade a elas e garantir o acesso da população à Justiça.

FONTE: JOTA

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