Depois de quase 20 anos de disputa entre empresas e governo, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal decidiu excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O impacto do entendimento da Corte, porém, só será dimensionado com a análise dos embargos de declaração que serão interpostos pela Fazenda Nacional. Apenas nessa ocasião, o Supremo vai se manifestar sobre o pedido de modulação dos efeitos da decisão, o que influenciaria na restituição, pelas companhias, do imposto pago a mais.
No Judiciário, mais de 10 mil processos estavam com o andamento interrompido à espera da decisão do Supremo, que foi proferida em repercussão geral. A tese firmada pela Corte foi de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins”.
A discussão tributária foi retomada na sessão desta quarta-feira (15/3) com o voto do ministro Gilmar Mendes que entendeu pela inclusão do imposto estadual no cálculo das contribuições. O ministro afirmou que reduzir a arrecadação por “via oblíqua,” como o acolhimento de exceções “imprecisas e sofisticadas”, é apenas paliativo que, muitas vezes, torna ainda mais complexo e oneroso o sistema tributário.
“Em suma, incentivar engenharias jurídicas para identificar exceções e lacunas no sistema tributário só desonera o contribuinte no curto prazo, pois invariavelmente obriga o Estado a impor novos tributos. No entanto, tal incentivo torna o sistema mais complexo e, consequentemente, menos eficiente, aumentando não só o custo do Estado de arrecadar valores para financiar seus custos, como o do contribuinte para calcular e recolher suas obrigações tributárias”, ressaltou.
Por mais de uma hora, Gilmar Mendes explicou o motivo pelo qual entendia pela inclusão do imposto estadual no cálculo das contribuições e citou vários trechos de seu voto de um outro processo (RE 240.785), mas que julgava questão semelhante.
“Mais do que a impressionante cifra de 12 bilhões de reais, prevista pelos dados da Secretaria da Receita Federal como perda de arrecadação, apenas no primeiro ano, em virtude da exclusão do valor do ICMS da base de cálculo da COFINS, preocupa-me a ruptura do próprio sistema tributário”, afirmou.
No entanto, a relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, e outros cinco ministros, votaram pela exclusão do ICMS na base do PIS/Cofins. A presidente do tribunal utilizou como principal argumento o fato de o ICMS não ser uma receita própria, mas um valor repassado ao Estado. Por conta disso, não seria possível incluir o imposto no conceito de faturamento, que é a base de cálculo do PIS e da Cofins.
Votaram da mesma forma os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e o decano da corte, Celso de Mello.
Por fim, o STF determinou a seguinte tese: “ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da Cofins”.
Primeiro a divergir, o ministro Edson Fachin entendeu que o faturamento “engloba a totalidade do valor auferido com a venda de mercadorias e a prestação de serviços”, o que incluiria o ICMS. Para ele, o sistema brasileiro possibilita o pagamento de tributos sobre outros tributos ou mesmo que um tributo entre na base de cálculo dele mesmo.
Os demais magistrados que votaram dessa forma – Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes – deram como certa a possibilidade de aumento de carga tributária caso suas posições sejam perdedoras.
Na sessão desta quarta-feira (15/3), após a coleta de todos votos e o placar de 6 x 4 já formado pela exclusão do tributo estadual no cálculo das contribuições, o ministro Dias Toffoli pediu para fazer um complemento ao seu voto – que foi pela inclusão do imposto estadual no cálculo das contribuições.
Por mais de 40 minutos, Toffoli citou precedentes do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e do extinto tribunal de recursos que foram favoráveis ao seu entendimento.
Para advogados envolvidos no processo, a fala do ministro Dias Toffoli contribuiu para protelar o fim do julgamento do Supremo.
Modulação
A maior expectativa do julgamento era em relação a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão do Supremo. De um lado, em sustentação oral, a Fazenda Nacional propôs uma modulação “para frente”, para que a decisão passe a valer a partir de 1º de janeiro de 2018. Do outro lado, advogados torciam para que a modulação ocorresse nos moldes mais tradicionais do tribunal,ou seja, que passasse a valer apenas para aqueles que já haviam ajuizado ação no Judiciário.
No entanto, o STF não chegou nem a analisar a possibilidade de modulação. Isso porque, segundo a ministra Cármen Lúcia, a discussão depende de um pedido das partes, que deve ser feito por embargos de declaração, e não foi realizado pela Fazenda Nacional.
A Fazenda afirmou que irá apresentar o recurso logo após a publicação do acórdão. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia deverá pautar o processo para julgamento no plenário. Nesta data, provavelmente, a Corte já contará com o novo ministro Alexandre de Moraes que poderá se declarar apto para julgar o processo, mesmo que não tenha participado do julgamento desta quarta-feira.
Como o STF não discutiu a modulação dos efeitos da decisão, a Fazenda prevê que não haverá o grande impacto financeiro nas contas da União, pelo menos até o ano que vem. Isso porque, apenas aqueles contribuintes que já tiveram o trânsito em julgado de suas decisões em tribunais de instâncias inferiores é que poderão pedir a restituição pelo imposto pago a mais.
Ainda não há data definida para que o processo seja pautado. Porém, caso os ministros definam uma modulação “para frente”, o governo não precisaria devolver esse valor.
No entanto, se os ministros seguirem o entendimento mais tradicional do STF, em que os pedidos de restituição só valeriam para aqueles que entraram com ação judicial, a Fazenda deverá restituir todos esses contribuintes pelos valores recolhidos a mais nos últimos cinco anos, o que, segundo a Fazenda, poderia ultrapassar os R$ 100 bi.
Repercussão
Em nota, a Fazenda Nacional afirmou somente com a apreciação do recurso pelo Plenário do STF é que se poderá dimensionar o eventual impacto dessa decisão.
Segundo a advogada Ariane Costa Guimarães, do escritório Mattos Filho, como exige o novo Código de Processo Civil, o STF preservou o precedente que abriu sobre o assunto, em 2014. “Hoje, o sistema jurídico atribui grande respeitabilidade aos precedentes e a sua superação somente ocorre quando há mudança nos argumentos, o que não ocorreu nesta discussão”, disse.
Em relação à modulação dos efeitos, a tributarista explicou que o pedido foi feito pela procuradoria em tribuna, mas o colegiado não apreciou o pedido não estava no recurso. “Esse pleito virá em embargos, certamente, mas, até lá, como regra, a proclamação da tese de julgamento permite a aplicação do precedente por todo o Judiciário”.
Para o advogado Saul Tourinho, advogado do Pinheiro Neto, a decisão desta quarta-feira é a mais relevante conquista dos contribuintes desde 1993.
“Naquele ano, o STF, também refreando o poder do Estado, reconheceu o princípio da anterioridade tributária como uma cláusula pétrea. Quase 25 anos depois, renova-se os votos de proteção aos membros da nossa comunidade, que trabalham, prosperam e querem, sim, pagar os seus tributos, desde que de modo harmônico com a Constituição Federal. A história do Direito Tributário brasileiro se faz de dias como o de hoje”, afirmou.
O advogado Felipe Alves Ribeiro de Souza, do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, afirmou que a decisão do STF ensejará uma mudança na atual metodologia de apuração dos tributos que tem por base de cálculo o faturamento ou receita bruta.
“Outros questionamentos emergirão a partir do entendimento exarado nessa julgamento, tal como a exclusão do ISSQN da base de cálculo da contribuição social pra financiamento do PIS e da COFINS”, ressaltou.
Discussão antiga
O Supremo vem discutindo o ICMS na base do PIS Cofins desde o final da década de 90. De lá pra cá, milhares de empresas acionaram a Justiça, buscando o direito de não incluir o ICMS no cálculo do PIS e da Cofins, que incidem sobre o faturamento.
Em 2014, a Corte abriu o primeiro precedente sobre o assunto, no RE 240.785. Foram exatos 15 anos de julgamento até se chegar ao resultado de 7 x 2 pela exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
Em quase 20 anos de discussão judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu sinalizações de que o ICMS deve compor o cálculo das contribuições sociais. Desde 1993, o tribunal possui súmula nesse sentido. Naquele ano, foi editado o Enunciado 68 – “a parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS”. No ano seguinte, foi editada a Súmula 94 – “a parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do Finsocial”.
Depois do precedente de 2014 do Supremo, o STJ ensaiou rever sua jurisprudência. Em março de 2015, 1ª Turma do tribunal seguiu a orientação do Supremo ao excluir o imposto estadual da base das contribuições sociais para um atacadista do Rio Grande do Norte (Ag no REsp 593.627). Mas a tese não foi adiante.
Um ano e cinco meses depois, a 1ª Seção do STJ, em recurso repetitivo, reafirmou sua antiga posição no sentido da incidência do PIS/Cofins sobre o ICMS. Meses antes, o colegiado havia decidido no mesmo sentido em relação ao ISS.
FONTE: JOTA